quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

FAMÍLIA E ESCOLA, CONTRADIÇÃO DE PAPÉIS



Já há algum tempo a escola vem invadindo o espaço educacional da família; transgredindo suas regras, desfazendo seus valores, minimizando suas crenças, decidindo por si mesma o momento e a forma de tratar de alguns assuntos, desvalorizando muitas questões culturais por considerá-las senso comum, crendice, inferioridade intelectual, em nome de um conhecimento científico e filosófico que não contribui efetivamente na formação do caráter, na estrutura emocional e psíquica do indivíduo. Não que o conhecimento científico e a formação intelectual não tenham enorme relevância, pelo contrário, abrem perspectivas reais de ampliação social, fornecem elementos necessários à construção de competências e habilidades importantes, agregam valores, propiciam a ação e a reflexão; mas a escola carece delimitar seu campo de atuação, atuar no seu terreno respeitando a área de propriedade da família, oferecer mecanismos de apropriação e construção de conhecimentos intelectuais sem minar os seus alicerces, sem diminuir ou menosprezar e até zombar de suas raízes, sem se portar de forma arrogante e pretenciosa em relação aos seus valores e crenças; a educação escolar não deve ser um processo de transferência dos saberes familiares (inferiores) pelos saberes escolares (superiores), mas um processo de agregação, de enriquecimento.

Quando a escola relativiza ou menospreza os princípios familiares, há uma ruptura prejudicial, há um abalo na estrutura daquele indivíduo que recebeu todas as instruções e ensinamentos daquelas pessoas que lhe são caras, que teve por sábias e capazes de instruí-lo, de encaminhá-lo, de direcioná-lo, um dano que a mesma escola não possui ferramentas capazes de reparar. Quando se danifica a crença nos valores familiares tudo o mais se torna questionável, relativo e sem maior valor, inclusive a autoridade do professor, a legitimidade da escola, a oficialidade e o sentido das regras e leis e o indivíduo tende à instabilidade, à descrença, não desenvolvendo a capacidade de comprometer-se com a escola, a família ou a sociedade e a escola, por sua vez, sobrecarrega-se com demandas que vão além da sua capacidade real de abrangência.

Nas reuniões de formação de professores, nos congressos e até nas universidades há muitas queixas e relatos apontando a ausência da família no processo escolar dos alunos, denúncias de omissão são uma constante no discurso de professores, coordenadores, gestores etc. E não ouso dizer aqui que ambos estejam equivocados, mas é necessário que se reflita que espaço é esse que é oferecido aos familiares no âmbito educacional, que tipo de “participação” realmente se espera da família, há disposição para ouvi-la, para considerá-la, para contemplar seus anseios?  Como essa família é recebida pela escola, sujeito integrante e proponente da comunidade escolar ou corpo estranho que mais ajuda quando fica quieto no seu canto, comparecendo apenas quando solicitado a ouvir passivamente e seguir as diretrizes recomendadas pelo grupo de letrados que estudaram o suficiente para saber a melhor maneira de se dirigir aquele jovem, a fim de contribuir com a educação que a escola se propõe a ministrar?

A importância da família na escola é discurso pronto na boca dos educadores, mas na prática muitas instituições se incomodam e antipatizam pais que cobram direitos como: reposição de aulas, acompanhamento especial para alunos com dificuldades de aprendizagem etc. Muitos professores, gestores, coordenadores, sentem-se vigiados e reagem mal a pais participativos e que buscam acompanhar de perto o processo de ensino-aprendizagem, desejam apenas que os mesmos cumpram seus deveres, como uma via de mão única e infelizmente o corporativismo na escola, como em outras repartições e instituições, acaba por afastar muitas famílias insatisfeitas com estas relações equivocadas e com a sensação de impotência. Há no meio educacional  uma fala preparada atribuindo à família a responsabilidade pelos fracassos escolares, fracassos de uma educação onde as contradições engolem as intenções, num fazer que não se faz pensar e que muitas vezes trabalha no automático, se mecaniza para atender a demandas cada vez mais urgentes e mais técnicas, respondendo a mecanismos de controle financeiro que a sustenta e que não culminam necessariamente em qualidade; um fazer que matematiza tudo e não consegue através de seus dados dar conta da relação complexa entre família e escola, relação essa que precisa ser refletida, socializada, avaliada, redimensionada, mas primordialmente, urge a necessidade de se distinguir e definir seus papéis. A família carece retornar à responsabilidade de educar enquanto a escola cuide mais eficientemente do seu ensino.


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